Espectáculo Solidário
(English Version Below)
PREPARADOS,
Um pouco antes da hora marcada chego ao Inspira Santa Marta Hotel. Encaminham-me para a sala onde será o espectáculo onde está tudo impecavelmente organizado conforme tinha sido combinado. Habitualmente o público está à frente dos actores. As actuações dos Lupa são feitas no formato de arena, isto quer dizer que o público esta num círculo e os actores no centro da acção. Esta é a organização da sala. Pouco a pouco os actores vão chegando. Todos com a boa energia que lhes conheço. Fazem-se as últimas afinações (chamam-lhes marcações) de preparação do que virá e em adaptação ao espaço em questão. Durante esta preparação fomos pedindo algumas (várias) coisas à Carla que com uma simpatia e profissionalismo sem precedentes deu resposta a tudo o que lhe pedimos, técnica e operativamente sem qualquer dificuldade.
TUDO PRONTO,
No bar do hotel temos uma projecção que mostra um pouco do trabalho do grupo de teatro e da instituição. Dos Lupa, o trabalho com jovens e fotografias de actuações anteriores. Da Acreditar, mensagens do livro comemorativo da instituição, também do livro guia do Barnabé e algumas imagens da exposição que está patente na Assembleia da República, com fotografias de Famílias da Acreditar. É desta forma que recebemos quem começa a chegar e que confortavelmente aproveita os últimos minutos para descansar, outros para conversar até que, todos juntos, estamos preparados para entrar nesta aventura solidária, em forma de teatro social.
PARTIDA!
Assim que estão reunidas todas as
pessoas entramos na festa. Todos dançam, há quem me pergunte onde estão os
actores, mantenho o suspense que esta noite é para ser saboreada! Depois de
dançarmos quase tudo (não fosse o que vem a seguir ainda melhor, eu ainda lá
estaria a dançar) o "Ruben e a Andreia" falam-nos de amor, de compromisso, de
diferentes formas de viver o namoro. De repente alguém diz "CORTA!" Os actores
congelam. A Daniela, coordenadora do grupo, é também "coringa", é ela que vai
guiar o espectáculo e puxar por todos nós a entrarmos em cena, nestas "Cenas
que acontecem!" O Ruben entra em acção mas desta vez sozinho e tenta arranjar
apoio junto do público para a sua forma salpicada de viver o amor: "Eu tenho
que ir à festa da Madalena, mas não dá para ir com a Andreia, eu tenho tanto
amor para dar..." será que conhecem alguém assim? O Ruben sai e com ele termina a
primeira cena.
Deixa a porta de casa aberta, coisa que a Mãe da Andreia estranha assim que chega. Fosse "só" a porta aberta e não a casa num pandemónio, os bifes que não foram tirados do congelador - "filha eu só te pedi uma coisa. Pois, desculpa, esqueci-me dos bifes...". Daqui para o faltar às aulas, a importância da dança, o limbo da relação com o Ruben - sim, o malandro que deixou a porta aberta - foi um pulinho. Afinal o dia tinha sido difícil para as duas. Entre a "Mãe" original e a "Mãe" que depois deixou o público para a substituir, cada uma delas no seu estilo próprio fez o melhor para arranjar espaço para ouvir o outro lado e em prol de uma das relações mais importantes que existem: Mãe e Filha. E sim, leram bem, a determinada altura o público é convidado a tomar o lugar de um dos actores. Lembram-se de termos falado que vos íamos dar a oportunidade de mudar o rumo à história? Assim foi. Esta equipa trabalha totalmente sem rede! Nunca sabemos o que poderá vir de um público que não conhecemos. Cada pessoa é um mundo e traz para a cena a sua vivência e experiência. Foi isso que fez a Inês quando toma o lugar da Andreia na primeira cena com o Ruben. O que se seguiu ao aviso geral de que "Isto não vai correr bem!" foi o exemplo de uma Mulher forte a reclamar o seu espaço pessoal e a importância da sua privacidade, sem esquecer algumas lembranças da importância da confiança mútua em qualquer relação.
BALNEÁRIO
Estrutura do espectáculo desvendada é hora de continuar. Terminado o jogo de futebol de onde saem vencedores, os dois amigos estão no balneário a prepararem-se para ir beber uma cerveja com o resto do grupo. São amigos desde miúdos, conhecem-se bem e cedo um deles percebe que algo se passa. Puxa por ele e recebe com surpresa que o seu melhor amigo teve uma experiência homossexual. Ainda ambos em choque a cena para e somos convidamos a "entrar em cena". "Já viram isto? O meu melhor Amigo... Enrolado com outro homem?!! " A reacção do público não se faz esperar, afinal a casa já é nossa! "Olha que ele é a mesma pessoa que há 2 minutos atrás, é o teu melhor amigo!", "Serviu bem para marcar golos e ganhar o campeonato, não foi?". Não vejo preconceito neste grupo de pessoas. Há quem concorde comigo e acrescente algo como: "O preconceito não faz sentido e isso funciona em relação à generalidade das pessoas, mas a reacção a quem nos é próximo, pode acontecer não ser a mesma." E o tabuleiro vira! "Já viram a reacção do meu melhor amigo??? Imaginem qual será a reacção da minha Mãe?". Põe-se em cima da mesa em cima da mesa a importância de contar. Apesar de neste momento ainda não haver muito que contar. A personagem teve uma experiência que ainda nem o próprio "arrumou". Do público salta um "É importante contar! Já tive amigos, homem e mulher, que depois de contarem ao seu grupo se sentiram mais aliviados." Concordo e acho que faz sentido, uma vez que os amigos são a família que escolhemos. Aqui a falta de empatia com o primeiro interlocutor, dá lugar a palavras de força e apoio!
A INDIFERENÇA NÃO NOS DEIXA INDIFERENTES!
A última cena retrata um conjunto de episódios do dia-a-dia que eventualmente todos nós já experimentamos ou presenciamos: alguém que atrapalha a fila no parquímetro, uma velhinha que demora o seu tempo na passadeira, alguém constipado nos transportes públicos que juramos vai contaminar toda a gente, turistas a pedir informações quando vamos a correr para algum lado ou as fúrias que o trânsito suscita. O que fizemos nesta situação? Estas são "cenas" que nos podem acontecer a todos, que conhecemos alguém que viveu, que passou, que está a passar. São cenas que nos fazem pensar naquilo que se passa à nossa volta, no que nos rodeia e de que forma nos posicionamos no mundo e em sociedade, como reagimos e de que forma isso nos transforma. Ideias e pensamentos exteriorizados e partilhados com um grupo, acabam por dar azo a alguma introspecção. Tudo o que vos possa contar acho que será pouco em relação ao trabalho desta equipa, por isso há mesmo que estar atento e, na próxima oportunidade, estar presente na primeira fila e experimentar este delicioso confronto que nos deixa a pensar!
Muito obrigada a TOD@S os que estiveram presentes e a TOD@S os que compraram bilhetes solidários!
English Version
SOLIDARY SHOW
READY,
Just before time I arrived at Inspira Santa Marta Hotel. They show me the way to the room where the show will be and where everything is impeccably organized as it had been agreed. Usually the audience is ahead of the actors. Lupa's shows are made in the format of arena, that is to say that the public is in a circle and the actors in the center of the action. This is the organization of the room. Little by little the actors arrive. All with the good energy that they got me used to. The last adjustments (called marks) of preparation of what will come and in adaptation to the space in question are made. During this preparation we were asked some (several) things to Carla that with an unprecedented sympathy and professionalism gave answer to everything that we asked for, technically and operatively without any difficulty.
GET SET,
In the hotel's bar we have a projection that shows a little of the work of the theater group and the institution. From Lupa, work with young people and photographs of previous performances. From Acreditar (Believe), messages from the commemorative book of the institution, also from the Barnabés guide book and some images from the exhibition that is currently at the Republic's Assembly, with photographs of Acreditar Families. It is in this way that we receive those who begin to arrive and who comfortably take the last minutes to rest, others to talk until, together, we are prepared to enter this solidary adventure, in the shape of social theater.
GO!
As soon as we are together, we enter the party. Everyone is dancing, there are those who ask me where the actors are, I keep the suspense because tonight is a night to be savored! After we've danced almost everything (wasn't what comes next even better, I would still be dancing) "Ruben and Andreia" talk to us about love, commitment, different ways of living the dating. Suddenly someone says "CUT!" The actors freeze. Daniela, coordinator of the group, is also the "coringa" (joker), she's the one who will guide the show and pull us all into the scene, in these "Scenes that happen!". Ruben takes action but this time alone and tries to get support from the audience "I have to go to Madalena's party, but I can not go with Andreia, I have so much love to give ..." Do you know someone like that? Ruben leaves and with it ends the first scene.
He leaves the house door opened, fact which Andreia's mother notices as soon as she arrives. Was it "only" the opened door and not the house in pandemonium, the steaks that were not taken from the freezer - "daughter, I only asked you for one thing. Yeah, sorry, I forgot the steaks ... ". From here on to missing out classes, or the importance of dance, or even the limbo of the relationship with Ruben - yes, the trickster who left the door opened - was a leap. After all, the day had been difficult for both of them. Between the original "Mother" and the "Mother" who later left the public to replace her, each one in its own style did its best to make room to listen to the other side and for one of the most important relationships that exist: Mother and daughter. And yes, you've read well, at some point the public is invited to take the place of one of the actors. Do you remember we told you that we were going to give you the opportunity to change the course of an history? So it was. This team works totally without a safety net! We never know what might come from an audience we do not know. Each person is a world and brings to the scene their way of living and experience. This is what made Inês take the place of Andreia in the first scene with Ruben. What followed the general warning that "This will not go well!" was the example of a strong Woman claiming her personal space and the importance of her privacy, not forgetting some reminders of the importance of mutual trust in any relationship.
LOCKER ROOM
Structure of the show unveiled is time to continue. Finished the football game where they come out as winners, the two friends are in the locker room getting ready to go and have a beer with the rest of the group. They have been friends since childhood, they know each other well and soon one of them realizes that something is happening with the other. Pulls on him and gets surprised that his best friend had a homosexual experience. Still both in shock the scene stops and we are invited to "get in to the scene". "Have you seen this? My best friend ... Involved with another man?!! "The reaction of the public doesn't wait, after all the house is already ours! "Look, he's the same person he was 2 minutes ago, he's your best friend!" "He served well to score goals and win the championship, didn't he?" I do not see prejudice in this group of people. There are those who agree with me and add something like: "Prejudice does not make sense and this works for generality of people, but the reaction to those closer to us may not be the same." And the board turns! "Have you seen the reaction of my best friend ??? Imagine what will be the reaction of my Mother? The importance of disclose is placed on top of the table. Although there is not much to tell right now. The character had an experience that even himself doesn't know how to "pack up". From the audience jumps a "It's important to tell! I have had friends, male and female, who after telling their group they felt more relieved." I agree and I think it makes sense, since friends are the family we chose. Here the lack of empathy with the first interlocutor gives way to words of strength and support to the second!
INDIFFERENCE DOES NOT MAKE US INDIFFERENT !
The last scene depicts a series
of everyday episodes that we have all experienced or witnessed: someone who
hinders the queue in the parking meter, an old woman who takes her time on the
crosswalk, someone who got a cold and is at a public transport where we swear
will contaminate everyone, tourists to asking for information when we are going
on a run somewhere, or the rages that the traffic raises. What have we done in
this situation? These are "scenes" that can happen to everyone, that
we know someone who has lived, who has passed, who is going through. These are
scenes that make us think about what goes on around us, about what surrounds us
and how we position ourselves in the world and in society, how we react and how
it transforms us. Ideas and thoughts externalized and shared with a group, end
up giving place to some introspection. Whatever I can tell you, I think it will
be very little in relation to the work of this team, so you have to be alert
and, at the next opportunity, be present in the front row and experience this delightful
confrontation that leaves us thinking!
Thanks to ALL of those who were present and to ALL who bought solidary tickets!