TERESA


PARTE 1/3

O profissionalismo é aquele a que já nos habituaram e que, para mim, faz parte da identidade deste projecto. Querem olhar connosco para o percurso da Dress For Success Lisboa (DFSL) desde 2015, altura em que lhes fizemos a primeira entrevista? Vamos a isto!

A Equipa passou de 4 para 13! Devidamente estruturada nas áreas de Comunicação, Programas, Voluntariado, Sustentabilidade e Gestão. A Teresa Durão partilhou comigo, com alguma satisfação, que passaram de 20, para 40 voluntárias activas, e assim denunciou a boa energia e contribuição positiva que trazem ao projecto.

Agora ponham os cintos: apoiaram 3.495 beneficiárias até ao final de 2019!

Vamos lá então começar esta nossa conversa que me sabe a "regresso a casa", apesar da casa em si, ser outra. Para quem não as conhece, a Teresa Durão é a Presidente da Dress For Success Lisboa. A Filipa Gonçalves é a Vice-Presidente e estas duas senhoras são o motor e maestro deste sonho tornado realidade, todos os dias.

Carolina (C): Como era a Dress 2015 e como é em 2020?

Teresa (T): Aquando da nossa primeira entrevista era um projecto muito inovador porque abordava a questão da inclusão duma forma única, facultando coordenadas para as mulheres em situações mais vulneráveis, mas que procuram integrar o mercado de trabalho e obter a sua autonomia financeira. Também se destacava porque haviam poucos projetos a trabalhar o empoderamento feminino e a abordar as questões da igualdade de género. Ao longo destes anos existem mais organizações focadas nas mulheres, o que é óptimo, mas reconhecem que o reencaminhamento que fazem para nós ajuda no trabalho que desenvolvem no terreno, fazendo da DFSL um parceiro de referência que recebe mulheres de todos os contextos, sempre com o objectivo de as integrar no mercado de trabalho.

A Dress de 2020 é um pouco diferente porque já tem novas formas de abordagem, ao longo destes anos desenvolveu vários programas e abriu o Centro de Carreira onde o foco está na capacitação, formação e preparação para alavancar mais facilmente a integração no mercado de trabalho e a retenção do mesmo.

Um dos programas que temos desenvolvido durante estes anos são um conjunto acções de sensibilização junto das escolas profissionais e dos parceiros sociais, em que abordamos várias questões muito importantes para trabalhar a mudança e o crescimento, quer profissional, quer pessoal. Já percorremos o país a levar, a todas as mulheres, mensagens de esperança e de confiança.

A nossa postura representa, por si só, um factor de diferenciação, pela forma como trabalhamos a dignidade, o respeito, o acolhimento de todas as mulheres que nos procuram e pela proximidade afectiva que construímos com todas as pessoas e empresas que nos apoiam.

A Dress sempre se adaptou às necessidades das pessoas, e nunca se acomodou. Teve que se reinventar ao longo destes anos e preocupa-se com outras temáticas, porque entendeu que todo o projecto, só por si, tem muito potencial. Por exemplo, isto que te vou dizer em 2015 não era uma preocupação para nós, mas fomo-nos apercebendo da importância que a Organização tem a nível ambiental.

Toda a roupa que está no nosso closet é resultado de campanhas em empresas e de doações particulares, e são essas peças que depois de tratadas e seleccionadas, damos às mulheres para mudarem a sua imagem. Caso não existíssemos, esta roupa iria para contentores e aterros, assim alargamos o ciclo de vida destas peças, entrando no modelo de economia circular. Neste contexto de redução do desperdício ao mínimo surgiu-nos outra ideia, criar um atelier de costura que transformasse as peças já desactualizadas, modernizando-as, dando-lhe um novo ciclo de vida. Com base nesta estratégia, desenvolvemos um projecto fantástico que é um negócio social. Com o retorno que temos, remuneramos as costureiras e reforçamos a sustentabilidade dos nossos programas de inclusão. O Lab Costura vai às empresas e faz arranjos e confecção para os colaboradores das que aderem ao projeto. Muitas das empresas têm uma forte responsabilidade social interna e gostam de dar benefícios, de forma a facilitar as rotinas de quem lá trabalha, rentabilizando o tempo para que possam dedicar mais horas à empresa e à família. Mais uma vez nós estamos a contribuir para a redução do consumismo desmedido, mantendo as peças na posse das nossas doadoras durante mais tempo, na realidade muitas vezes doam porque não tem vagar para irem a uma costureira fazer os ajustes necessários. Acontece com todas nós termos peças das quais gostamos muito e que é difícil desapegarmo-nos, porque muitas vezes a nossa roupa conta uma historia e tem muito significado para nós. Isto não irá afectar as doações. Poderemos receber menor quantidade, mas em melhor estado, o que reduz custos no tratamento da roupa. A nossa costureira tem arte, brio e confecciona de tudo o que for necessário. Acho que recuperar este conceito que vem do tempo das nossas avós, é maravilhoso!

C: Uma empresa que queira ter este serviço como é que faz?

T: Entra em contacto connosco através do email geral@dressforsuccess.org, enviaremos a apresentação do projeto e as condições de adesão. Posteriormente fazemos uma reunião para definirmos os dias e apresentarmos a costureira que ficará alocada à empresa. Toda a gestão do projecto é da responsabilidade da DFSL, cumprindo todas as regras fiscais, como qualquer outro negócio.

C: Fecha o círculo da sustentabilidade

T: Exactamente, muito focado na Economia circular.

C: Passando daqui para números. Gostávamos de ter uma noção do impacto desde o início.

T: A Dress abre portas no ano de 2012, e desde essa altura o nosso impacto tem sido significativo, através de todos os nossos programas, Boutique, Centro de Carreira, Fadas Madrinhas, Professional Women's Group (PWG), e não deixando de fora as acções que temos desenvolvido ao longo do país, até ao fecho de 2019, já apoiámos 3.495 mulheres.

C: São óptimos indicadores! E por falar em evolução, dizia-me há pouco que o PWG está a acompanhar esta energia e vai mudar a sua estrutura. Como vai funcionar no futuro?

T: Ainda bem que a Carolina trouxe esse tema para esta nossa conversa. Os programas estão a ser todos reestruturados e a questão da sustentabilidade tem que ser vista com outros olhos! Em 2018, a DFSL teve uma fase mais conturbada que ocorreu na mudança de instalações. Foi muito complicado arranjarmos um novo espaço, atendendo aos recursos que temos e à área útil de cerca de 150 m2 que precisávamos. Isto fez abrandar um bocadinho o projecto.

Em relação ao PWG, que é um programa de liderança e vai na sua 5ª edição, terá um formato completamente diferente. Até aqui tivemos sempre linhas de financiamento que apoiaram o programa, como o caso da Sage Foundation e o Pact Fund da Deloitte. O target era para as mulheres que já tinham passado pelos outros programas da DFSL e que estavam a trabalhar, com baixos salários. Esta era uma oportunidade para reforçarem competências, e acreditarem que ao investirem nelas seria o caminho para o sucesso das suas carreiras. A taxa de retenção de emprego das 4 edições ainda hoje é de 41%. Tínhamos como parceiro social a Universidade Europeia e um conjunto de oradores de excelência. O programa foi sempre presencial, gratuito e tinha a duração de 6 meses. A participante com maior avaliação no projecto final que denominamos por CAP "Community Action Project ", ia aos Estados Unidos ao Success Summit representar a Filiada. Suportar a viagem e a estadia de cada representante, é o apoio que a Dress Worldwide nos dá para desenvolvermos o programa. No futuro este programa será virtual, direccionado a um público com mais capacidade financeira, terá um custo por participante, o formato será todo revisto e estamos a trabalhar para que no final possam vir a ter uma bolsa de estudo para valorizarem a sua formação académica e ocuparem lugares de liderança nas empresas. Vamos dar oportunidade a outras mulheres, vamos subir um pouco a fasquia. Os critérios de selecção serão mais exigentes, mas nada invalida que muitas das mulheres que passaram pela Dress e estejam empregadas se candidatem. Vai ser reestruturado, muito focado na liderança e no empreendedorismo.

Acho que estes meses nos deram tempo para pensar e adaptar o programa às necessidades e aspirações de cada pessoa. O Success Summit neste momento está em suspenso, mas no futuro iremos ter sempre um participante a representar a DFS Portugal.

C: Acho que é importante esclarecer que a DFSL tem diferentes programas. O início é o Centro de Carreira, segue para a Academia de Desenvolvimento e depois de estar integrada profissionalmente, existe a possibilidade de se candidatar ao PWG, certo?

T: Exactamente! Criam-se sinergias entre os diferentes programas. Reforço que o PWG é a cereja no topo do bolo, mas os critérios de selecção, como já referi atrás também serão mais exigentes. Mas até chegarem ao PWG existe um percurso. Passam pelo Centro de Carreira há toda uma preparação: procura activa de emprego, revisão do CV, e depois pelo programa da Boutique, onde além da imagem, trabalhamos a confiança e a auto estima.

Vamos fechar parcerias com empregadores de referência, e após concluído o processo individual de cada uma, vamos colocá-las no mercado de trabalho, onde irão recuperar a sua autonomia e independência financeira.

Iremos criar condições e disponibilizar todos os meios, de forma a poder atender a vários segmentos. Muita coisa será realizada virtualmente, através das plataformas Zoom, Teams, por isso no Centro de carreira haverá um espaço devidamente preparado para as mulheres que não tem computador, poderem assistir às calls, ao mentoring e às entrevistas de emprego que seremos nós a marcar junto dos nossos parceiros.

A nossa conversa com a Teresa ainda nem vai a meio. Fazemos um intervalo para conversar com uma mulher que já passou pela DFSL, a Maria João, que participou no Programa das Fadas Madrinhas em 2015, e foi esta senhora que alinhou nesta aventura de transformar as suas pestanas, uma oferta especial para a DFSL de uma profissional de excelência, a Margarida Pedrosa, fundadora da Hi Lash, que quis com a sua arte dar um contributo a este projecto.

C: Maria João, como é que conheceu a Dress?

M: Através da AMI, numa época em que me estavam a dar apoio.

C: E que tal foi a primeira reacção?

M: Foi um bocado assustador, porque eu passava o dia no sofá, do sofá para a janela, da janela ia para o sofá outra vez, e passava assim o meu dia. Depois tive algumas reuniões com a Teresa. Ela começou a puxar-me a camisola "Anda, e anda, e anda, e anda, vai-te fazer bem!" e lá fui. E houve um dia em que eu disse a mim própria, eu tenho de ir porque a Teresa, mais do que qualquer outra pessoa, sabe o que está a dizer e está a mostrar-me o que é e será melhor para mim.

C: E como aconteceu até chegar a este momento?

M: Depois de acabar o projecto das Fadas Madrinhas a Teresa ficou sempre em contacto comigo e depois do Rock in Rio já eu tinha (e esta expressão cai que nem uma luva) "a pestana aberta", agarrei a oportunidade e pus-me a caminho. O hotel apresentava uma boa oportunidade de emprego, eu candidatei-me e fiquei com um contrato de trabalho. Depois surgiram-me outras oportunidades, para os cruzeiros, trabalhos de 1 ou 2 semanas, agradecia mas tinha que recusar pois já tinha uma estabilidade no Hotel onde ainda hoje estou a trabalhar.

C: E está contente? Conte-nos que hotel é que é?

M: Palácio do Governador. O espaço é lindíssimo. E quem vai recomenda a outras pessoas. É em Belém, mesmo virado para a Torre de Belém.

C: Há quanto tempo lá está?

M: Vai fazer 5 anos. A equipa e todo o ambiente são muito bons. Entrei para lá para limpezas, depois fui promovida a Chefe de Lavandaria e agora como Supervisora de quartos.

C: Muitos Parabéns! Isso é uma subida exponencial.

M: Às vezes com medo, será que eu vou conseguir? Eu vou conseguir! Mas eu acho que não há nada melhor do que nós vencermos os nossos próprios medos.

C: E o medo só mostra que está a abraçar um desafio, que está a fazer uma coisa nova. Ele está ali, podemos vê-lo, mas depois o caminho é para a frente e vamos embora. Está a sair da sua zona de conforto para algo melhor.

M: Eu gosto muito daquilo que faço. Eu nunca tinha estado a trabalhar num hotel. Não sabia como era a rotina, como funcionava, e senti-me muito apoiada por toda a equipa. Tudo o que eu faço ali, nunca fiz na vida.

C: E no resto da sua vida sentiu diferenças?

M: Tenho uma filha de 27 anos que olha para mim de forma diferente. Houve várias mudanças, todas pelo lado positivo.

C: A Maria João é uma inspiração. Muito Obrigada por ter aceitado o convite da Teresa para estar aqui e por fazer parte desta iniciativa.

Depois de uma história tão inspiradora como a da Maria João, para a semana vamos contar-vos o que a DFSL está a preparar para o futuro! Tenham uma óptima semana e descansem, só têm de esperar mais uns diazinhos até ao próximo "shot de inspiração!".


PARTE 2/3 

C: O que está no futuro da Dress?

T: A DFSL tem o estatuto de IPSS desde 2016, gostávamos muito de ter uma resposta social licenciada e tipificada. Estamos a tentar perceber junto da Segurança Social se estamos enquadrados. Esta resposta será numa área muito particular, que é a da prevenção da saúde mental. Sentimos que existe falta de uma resposta preventiva, e com a nossa intervenção que já trabalha muito estas questões a nível emocional, estamos preparados para implementar este tipo de resposta. É claro que irá implicar mais recursos humanos técnicos nestas áreas, (iremos criar postos de trabalho) por isso um protocolo de cooperação com a Segurança Social é fundamental. Vamos apresentar a proposta, pois queremos muito que no futuro a Dress tenha este complemento.

C: Finalmente Saúde de Prevenção! A abordagem devia ser sempre esta!

T: É um tema muito preocupante. Muitas vezes, todas nós temos a percepção, mesmo sem sermos psicólogas, que as pessoas que aqui entram não vêm bem, sentem-se perdidas, deprimidas, tristes, angustiadas, às vezes acabam por falar connosco porque sabem que aqui ninguém as julga. Temos esta capacidade bem treinada. "Saber ouvir" é muito importante para quem está neste projecto. Faria todo o sentido, termos uma profissional (psicóloga) que pudesse dar continuidade e fazer esse acompanhamento. Estamos a trabalhar nisso!

C: Uma das coisas que mais me marcou quando fiquei a conhecer a Dress em 2015, foi a Teresa enfatizar repetidamente que isto não é só uma mudança de guarda-roupa, a atribuição de soft skills é fundamental para o sucesso da transformação.

T: Já o fazemos, porque sabemos a importância que têm o reforço das competências comportamentais para o sucesso na entrevista de trabalho e na manutenção do emprego. Como já atrás tive oportunidade de referir, o Centro de Carreira vai ter uma reestruturação. Mas começa logo no programa da Boutique, onde fazemos logo um diagnóstico de necessidades das pessoas. Vamos orientar e acompanhar cada pessoa até conseguirmos que ela fique empregada, fazendo o follow up de 3 em 3 meses. Queremos obter bons resultados!

C: Sei que há novas formas de apoiar o projecto, inclusivamente ser sócio da Dress! Como é que isto funciona?

T: A Dress é uma Associação, é a sua forma jurídica. Um sócio tem benefícios na Academia, por exemplo, descontos em programas e cursos, vouchers, além de momentos especiais vividos na boutique. A cota pode ser de 15 a 60€ e dessa forma já está a apoiar a DFSL. Mas vamos rever o nosso site de forma a que os doadores saibam o que fazemos com a verba que nos doam. Queremos ter o máximo de transparência, e desta forma trazer mais pessoas a apoiar a nossa causa.

C: Um momento marcante foi a transição para estatuto de IPSS.

T: Sim, foi um momento muito importante, porque nos colocou ao abrigo da lei do mecenato. As empresas que apoiarem a DFSL terão esse benefício fiscal, entregando um donativo sem qualquer contrapartida.

C: E também abre o leque em termos de candidaturas, há concursos onde é necessária a denominação de IPSS.

T: É fundamental.

C: O Mercado de Salto Alto também se transformou e agora fazem Mercados Privados, não é? Isto parece-me mais uma forma de mimar quem vos recebe! Conte-me tudo.

T: Em todos os países há vendas de roupa em segunda mão. O mercado nasce com 2 objectivos. Primeiro, vender o excedente que não serve as necessidades das pessoas que chegam até nós, ou seja, as peças que não conseguimos escoar. Por outro lado, divulgar locais emblemáticos da cidade de Lisboa onde os Mercados decorriam e levar as pessoas a esses espaços especiais. Eram espaços cedidos gratuitamente e os mercados tinham a duração de 3 dias, onde desenvolvíamos várias actividades: sessões de maquilhagem e beleza, palestras sobre o empreendedorismo feminino, e sobre a importância do papel da mulher na sociedade, coaching, nutrição, e por fim a venda de roupa a preços muito baixos. Eram muito extraordinários os nossos mercados e o conceito da compra de roupa em 2º mão tinha imensa procura por parte dos turistas que visitavam a cidade. Mas infelizmente deixamos de conseguir essas cedências de espaço, porque estes locais passaram a ser utilizados para negócios locais. A cidade de Lisboa virou uma das mais visitadas do mundo o que me deixa muito feliz porque adoro a minha cidade.

Mantivemos o conceito do Mercado Salto Alto transferindo-o para o novo espaço da Dress, são mercados mais pequenos com menos adesão, mas acabaram por se transformar em vendas privadas. Temos peças diferenciadas, únicas e existe um público muito específico que nos procura. Por outro lado, também é bom porque nos dá a oportunidade partilhar com quem nos visita um lanche, e entre um chá e um bolinho, falamos sobre o projecto e damos a conhecer a nossa missão. No futuro vamos fazer mercados virtuais. Temos peças de marca, lindas e sabemos que temos mercado para elas. A receita que angariamos não é significativa mas, mais uma vez, estamos prolongar a vida destas peças.

C: A respeito de Objectivos de Desenvolvimento Sustentável (OSD), onde se integra a Dress?

T: São especialmente estes três: (5) Igualdade de Género, (10) Redução das Desigualdades e (4) Educação de Qualidade.

Depois de acabarmos o que seria a entrevista que faz um follow up do percurso da DFSL e antes de falarmos um bocadinho sobre a senhora que alinhou connosco nesta aventura, abrem-se corações e esta é a melhor ponte possível entre os dois temas. A história da Maria João, já vos demos a conhecer na primeira conversa. Será que estão preparados para o que vem a seguir?

T: A Dress já passou por momentos muito difíceis, onde aquela porta se fechava e eu não sabia se ia voltaria a Abrir.

C: Fale-me disso.

T: Chegava ao Natal e à passagem de ano e eu fechava a porta para me ir embora (a Teresa emociona-se a contar-me isto), estou a partilhar isto, porque acho que nunca deixei que ninguém se apercebesse. A missão da Dress na realidade não resolve um problema imediato, como entregar comida às pessoas carenciadas. Mas o nosso objetivo é dar a "cana e ensiná-las a pescar", é mudar a sua vida, de forma a que nunca mais necessitem de receber ajuda no que é essencial para a sua subsistência e da sua família.

Levar este projecto para a frente tem sido uma batalha. Quando passo de ano, faço sempre os meus pedidos, um deles é que tenha sempre força e energia para manter este projecto vivo. Gostava de ser lembrada por ter feito a diferença na vida das pessoas, e um dia deixar este legado a alguém que desse continuidade ao meu trabalho.

C: Não posso deixar de juntar uma coisa que eu acho tão bonito. Neste caminho e da minha experiência neste campo, vejo que há pessoas que fazem tanto, e que são de uma humildade tão grande que sentem que fazem pouco e que há tanto para fazer. Nessas circunstâncias, aponto-lhes todas as coisas que eu vejo que fazem e o incrível que é. A Teresa é, sem dúvida nenhuma, uma delas.

T: Fico muito feliz por ouvir isso, obrigada. Houve alturas em que eu não tinha quem pusesse a mão na massa, mas neste momento tenho mulheres de armas. E voltando ao momento de quando a porta se fecha, sinto sempre uma força dentro de mim que me diz que o projeto vai manter-se no tempo. Um dia quando eu sair, quero sentir orgulho por tudo isto que construi com muito esforço, e saber que deixo um legado sólido.

Por isso, condições adversas não me assustam. A área da Economia Social sempre foi difícil. Este projecto é incrível, mas não é fácil de tocar para a frente. As pessoas têm muitas outras prioridades até chegar aqui. Mas a realidade é que se uma pessoa passar por um processo de adições, por exemplo, toxicodependência e se não tratar da sua imagem, nunca vai conseguir emprego. Este projeto complementa todos os outros, por isso somos um parceiro de referência.

C: Eu acho que é totalmente por aí que vai. É a pessoa não ter oportunidades e passar a ter.

T: Não é que a roupa lhe dê competências, ela já as tem, mas a realidade é que nós revestimos essa confiança e dizemos à pessoa: Vai ser capaz! Eu costumo dizer: passar por aqui é muito mágico, porque de repente, a vida começa a acontecer. Este projeto tem uma energia muito positiva que a todas nós inspira. É tão gratificante ir para casa e termos no pensamento aquele sorriso de alguém que fizemos feliz.

C: É uma energia de alavancagem!

T: De alavancagem. Olha, quando recebi o prémio nos Estados Unidos, a DFSL estava a passar um dos momentos difíceis. Mas aquele reconhecimento deu-me forças. A DFS Lisboa foi distinguida pelo seu desempenho a nível internacional. Em segundos, passaram pela minha frente as memórias dos momentos mais marcantes e difíceis que aqui passei, assim como todas as pessoas que tiveram ao meu lado de forma incondicional. No meu discurso dediquei este prémio a todas as voluntárias da DFSL, porque sem elas este projecto não existia

C: Voltando às oportunidades que temos, acho mesmo que são das coisas mais diferenciadoras na vida de uma pessoa. A pessoa ter estas oportunidades (gesto com as mãos a fechar) ou estas (gesto com as mãos a abrir) e isso faz muita diferença.

T: Oportunidades. Alavancagem. Esta semana veio cá uma senhora para ter apoio para uma entrevista, na parte de consultoria de imagem. Já tinha estado na Dress há 5 anos e não se esqueceu de como essa passagem mudou a sua vida. A Filipa começou logo pela revisão e melhoramento do seu CV, e definiu um plano com o objectivo de regressar de novo ao mercado de trabalho. É bom sentir que as pessoas não nos esquecem e que acreditam em nós.

C: Essa podia ser a história da Célia!

T: Podia.

C: Mantém contacto com ela?

T: Sim, a Célia já não está no mesmo sítio, saiu do Centro Comunitário. Montou o seu restaurante e tem seu próprio negócio. É uma empreendedora.

C: Isso é muito inspirador! E agora em relação à Maria João?

T: A Maria João fez parte de um programa que ganhamos em 2015, que foi através da SIC Esperança e do Rock in Rio. O Rock in Rio queria ajudar as mulheres da comunidade onde se desenvolve o concerto, a Bela Vista. Nunca tínhamos tido o apoio da SIC Esperança, apenas uma reunião onde apresentamos algumas propostas. Um ano depois, lembraram-se que a DFSL seria a parceira ideal para o projecto do Rock in Rio que contemplava formar e empregar 60 mulheres que viviam em situações adversas na freguesia de Marvila. O nome do programa foi "Fadas Madrinhas". E porquê Fadas Madrinhas? Porque me lembrei de um filme (série) em que havia uma fada mágica que era dona de casa e ao movimentar o queixo a casa ficava toda arrumada.

C: Tenho o nome dela debaixo da língua! Até já fizeram um remake desse filme com a Nicole Kidman!

T: O objectivo era ir para o bairro da Bela Vista e de Marvila. Fazer um levantamento das mulheres que estavam no rendimento mínimo e em situações de dependência das organizações locais, trazê-las para o programa, motivá-las e dar-lhes uma forma diferente de encarar o futuro. Muitas destas pessoas estavam de pijama de manhã até à noite. Viviam numa comunidade fechada, não tinham horizontes, nem objectivos. Eu sempre defendi a seguinte teoria: a inclusão não se faz dentro dos bairros, as pessoas têm de sair da sua zona de conforto, caso contrário nunca conseguem perceber o que acontece cá fora... Existe um mundo para além daquele. Estão fechadas numa ...

C:... redoma...

T: Sim, redoma, como a Maria João estava! Mas uma redoma que é prejudicial para elas. É uma gíria na linguagem, na imagem, na postura, a falta de sonhos, o não acreditar nelas, o viver de um rendimento mínimo que pode desaparecer, tudo isso é o problema. E depois fomos encontrar mulheres fantásticas! Fizemos 160 entrevistas para encontrar 60 mulheres com vontade e capacidade de integrar o programa. O projecto nasceu para criar empregadas domésticas de excelência, e colocá-las a trabalhar, tivemos como parceiros a Multipessoal e seriam eles a fazer o canal de ligação com o perfil e o empregador. A Formação preparava-as em várias vertentes, o saber fazer, e o saber estar. Temos uma percentagem de empregabilidade dessas mulheres muito significativa. Temos ainda hoje uma taxa de retenção de emprego deste grupo de 25%. É muito significativo!

Quando chegaram ao programa eram muito reactivas, foi uma grande mudança... Na Dress encontraram um contexto que não é comum nos projectos sociais por onde já tinham passado. Eram acolhidas com muito respeito, sentiam-se tratadas como umas senhoras. O pensamento era: Mas o que é que agora querem de mim???? O que é que eu venho aqui fazer? Mas foi muito rápido ultrapassar.

O objectivo do programa Fadas Madrinhas era transformá-las na excelência. Muitas delas não são empregadas domésticas, estão noutras áreas, mas recebemos mensagens, ainda hoje, a agradecer e dizendo que a passagem pelo programa transformou a vida delas. Este programa foi uma escola de Talentos... O programa teve tanto impacto que outras Organizações replicaram a ideia.

C: Isso é óptimo porque é muito inspirador. Estão a catapultar várias vidas, ao nível individual, das senhoras que aqui vêm e também ao nível colectivo, quando inspiram outros projectos e instituições.

Esperamos que estejam a gostar e que o bocadinho da vossa semana que guardam na nossa companhia, vos traga inspiração e alegria! O que podemos prometer para a terceira e última parte desta conversa? Temos uma receita deliciosa: uma mudança de mindset, de crescimento, claro! Resultados e Impacto, polvilhados com um toque sobre as viagens aos Estados Unidos, à prisão de Tires e, porque falamos de viagens, à viagem maior de todas, ao interior de nós mesmos. Até para a semana!


PARTE 3/3 

C: Sabe que quando fomos dar aquela aula à Universidade Europeia, não senti nada essa reactividade, aliás pelo contrário, senti muita familiaridade, e que havia muita confiança em vocês.

T: Mas é um público completamente diferente! Como já atrás referi, o PWG é um programa de elite que tem como objectivo criar líderes emergentes, já há muito trabalho feito. Por exemplo: a Maria João agora podia candidatar-se ao programa, reúne todo os requisitos para ser admitida. O grupo que entra no PWG já passou por um longo processo de acompanhamento. Por isso já não existe essa reactividade, pelo contrário estão ansiosas por aprender.

C: Todos os anos mandam pessoas ao Success Summit?

T: Sim todos os anos! Desde que cumpram o regulamento que está no manual que lhes é entregue logo no primeiro dia. São as participantes que votam no elemento que as irá representar.

C: Há pouco falávamos que há projectos que correm o risco de acabar, o quereria dizer que houve um conjunto de necessidades que foram supridas e nesse contexto, acabar não é mau. É transformador. Com a superação de obstáculos, nascem automaticamente novas necessidades que terão que ser adereçadas e nesse contexto, é o elevarmos todos nós a fasquia.

T: A nossa missão é que as mulheres tenham trabalho, sejam autossuficientes e independentes, quanto maior for o impacto e o sucesso do nosso trabalho, menos pessoas nos procuram. A nossa ajuda deixaria de ser necessário, não faria sentido existirmos. O que eu queria dizer há pouco é que as Organizações, mantendo o foco na sua missão, têm de ter a capacidade de se reinventar. Na minha opinião a Dress tem tido essa capacidade e a prova disso é a fidelização das utentes ao projecto.

C: Claro! De acompanhar a vida! A vida muda, se os projectos não mudarem também, morrem.

T: Mas isso não é fácil para as Organizações. Por exemplo, cada vez que eu faço uma candidatura que apela claramente à inovação, eu até me arrepio. Nós não podemos estar sempre a inovar. Há que ir buscar inspiração no que já se fez, provavelmente criar novas abordagens, sem nunca perder o foco na missão. A vida está em constante mudança, vão aparecendo outros problemas e situações que poderemos ajudar a solucionar.

C. Fale-me de outra experiência que tenha sido marcante.

A nossa intervenção junto das reclusas nas prisões. Vamos muitas vezes a Tires. Levar-lhes motivação, esperança e mimos, como sessões de maquilhagens, mindfulness, autoconhecimento, imagem. São sempre exercícios muito dinâmicos e que as fazem esquecer por momentos onde estão. É intenso, e no momento de nos despedirmos há sempre muita emoção. Há noite quando me vou deitar, sinto a solidão delas. Por isso lhes digo "hoje quando se deitarem e fecharem a porta da vossa cela, lembrem-se de nós, porque vamos estar a pensar em cada uma de vós, e neste momento maravilhoso que partilhamos. Vocês nunca estão sozinhas".

C: (em uníssono com a Teresa) Vida para a frente!

T: É difícil, porque existe o rótulo de reclusa, mas vamos andar para a frente! E esses momentos quando nós estamos lá dentro são fortíssimos. E muitas já têm vindo aqui quando saem e estão livres, procuram-nos porque não querem cair no mesmo erro.

C: A vida vai colocando à nossa frente situações que nos permitam crescer e evoluir. Mas por vezes as situações são muito difíceis.

T: Também nunca ninguém nos disse que ia ser fácil. Temos que acreditar, e se tivermos confiança, vamos conseguir!

C: Não tenho dúvida nenhuma.

T: Quando falamos no trabalho da Dress, estamos a falar sobre direitos humanos, sobre diversidade, sobre dignidade, confiança, respeito, proximidade. Qual é a Missão da Dress? A missão da Dress é preparar mulheres para uma entrevista de trabalho e para as apoiar a obterem a sua autonomia financeira. Esta missão é muito restritiva para tudo aquilo que nós fazemos. A resistência que por vezes nos sujeitam, é a de que há muitas prioridades antes. E o difícil é isto: sermos consideradas uma prioridade.

C: Será porque as pessoas não vêm o fruto que dá? Através deste projecto também vem o pão para a mesa.

T: Claro, através da autonomia financeira, obtêm qualidade de vida. Mas eu acho que as pessoas não entendem que ao ajudar uma mulher, estamos a apoiar a família.

C: Menos imediato. Mas mais do que isso, não são incompatíveis. Nós sabemos que "a posição na lista" tem repercussões para onde se canalizam verbas, que não são infinitas. Mas talvez valha a pena uma aposta diversificada e um observar dos resultados. E mais ainda. É o olhar na diferença entre resultados e impacto - e aqui fica um agradecimento ao Eduardo Moura da EDP (Sustentabilidade Corporativa) que me mostrou isto há uns anos atrás. Os Resultados são fixos e quantificam-se com o que nós conseguimos atingir ao final de um período de tempo, habitualmente medido ao final de um ano de calendário. O Impacto é a forma transformadora de um resultado, é uma mudança que eleva uma situação, realidade, vida, numa nova forma de fazer, de estar, de ver. São os dois válidos e importantes, mas têm características e natureza diferentes.

T: Sem dúvida que nós estamos focadas no campo do impacto!

C: Sem dúvida nenhuma! Quando transformam o visual de "x" mulheres obtêm o resultado "y", mas quando estamos a falar de empregabilidade, estamos a falar de impacto.

T: Impacto espelha-se na empregabilidade de 25% das pessoas que aderiram ao programa. E uma coisa que muita gente não liga: 70% saíram daqui a sorrir. Saem, e muitas mulheres já nos disseram: "Obrigada. Nunca me vou esquecer deste momento!", se fossemos medir a felicidade que damos a estas mulheres...

C: É impacto emocional! E isso tem frutos na família, nos filhos, daí para ter impacto no aproveitamento escolar é um passinho. Tem benefícios em termos de casal e como consequência, terá também no trabalho do parceiro.

T: Levam umas roupas novas, saem a sorrir... Não é só isso.

C: Claro que não. É um mindset completamente diferente. É um mindset de crescimento!

T: É a forma como é feito o atendimento, é todo um procedimento pautado por dignidade e profissionalismo. Este tema poderia ser uma dissertação para um doutoramento! Quantas vezes não vamos a uma loja, porque estamos tristes. Compramos uma coisinha e continuamos tristes. Metemos a coisa nova no roupeiro e depois nem a vestimos. Mas fomos ali buscar um reforço. Quase sempre não resolve nada, está tudo errado! Nada mudou.

C: Não está ali. O que procuramos nunca está fora. Está sempre dentro de nós.

T: Aqui não. A pessoa veio desprovida de nada, sem expectativa de coisa nenhuma e sai a sorrir! Olha para si própria e diz, eu sou especial.

C: E o maior trabalho é esse. Não é a roupa.

T: Isto é impacto na vida das pessoas.

C: Podemos dizer que a roupa é um pretexto para alavancar a mudança interior. É um trampolim.

T: Claro que sim! Há pessoas que dizem que elas ficam muito contentes por andarem muito bem vestidas. Não estamos a falar de tendências e moda, estamos a falar de confiança.

C: Empoderamento, acho que é a palavra que melhor descreve o que estamos a falar.

T: Acho que é mais confiança ...Nada trava uma pessoa confiante!

C: Sim! Pode cair 50 vezes mas nada a trava.

T: Se tu te sentes confiante a tua vida avança!